A defesa contém o germe do ataque. Desejo a segurança física;
crio, por conseguinte, um governo soberano, o qual torna necessárias forças
armadas, o que significa guerra, que destrói a segurança. Onde quer que haja o
desejo de autoproteção, há temor. Quando percebo a falácia da exigência de
segurança, não acumulo mais. Se disserdes que percebeis isso, mas que não
podeis deixar de acumular, então não percebe realmente que, inerente à
acumulação, há dor. Há medo no processo de acumulação, e a crença em alguma
coisa faz parte do processo acumulativo. Morre meu filho, e eu creio na
reencarnação, para proteger-me psicologicamente da dor, mas, o próprio processo
de crer encerra também a dúvida. Exteriormente, acumulo coisas e faço vir a
guerra; interiormente, acumulo crenças e produzo dor. Enquanto desejo estar em
segurança, ter depósitos nos bancos, prazeres, etc., enquanto desejo tornar-me
alguma coisa, fisiológica ou psicologicamente, tem de haver dor. As próprias
coisas que estou fazendo para proteger-me da dor trazem-me pena e dor.
O temor começa a existir quando desejo viver segundo
determinado padrão. Viver sem medo significa viver sem determinado padrão.
Quando desejo certa maneira de viver, isso em si é uma fonte de temor. Meu
problema é esse, desejo de viver dentro de certa forma. Não posso quebrar a forma?
Só posso quebrá-la, quando percebo esta verdade: que a forma está causando
temor e que este temor está tornando mais forte a forma. Se disser, que devo
quebrar a forma porque desejo livrar-me do medo estou, apenas, seguindo outro
padrão, que acarretará mais temor. Qualquer ação da minha parte, baseada no
desejo de quebrar a forma só criará outro padrão, e, por conseguinte, temor.
Como posso quebrar a forma sem causar temor, isto é, sem nenhuma ação
consciente ou inconsciente de minha parte, com relação à forma? Isso significa
que não devo agir, que nenhum movimento devo fazer, para quebrar a forma. Que
acontece quando fico simplesmente observando a forma, sem fazer coisa alguma em
relação a ela? Vejo que a própria mente é a forma, o padrão, que ela vive no
padrão "habitual” que para si própria criou. Por conseguinte, a própria
mente é o medo. Tudo o que a mente faz, visa fortalecer um padrão antigo ou
favorecer um padrão novo. Isso significa que tudo o que a mente faz para
livrar-se do temor, gera temor.
O temor encontra vários meios de fuga. A variedade mais comum
é a identificação, não é? Identificação com a pátria, a sociedade, uma ideia.
Já não notastes a maneira como reagis, quando assistis a um desfile militar ou
a uma procissão religiosa, ou quando a pátria está ameaçada de invasão? Vós vos
identificais, então, com a pátria, com uma entidade, com uma ideologia. Em
outras ocasiões vos identificais com vosso filho, vossa esposa, com determinada
forma de ação ou de inação. A identificação é um processo de auto esquecimento.
Enquanto estou cônscio do "eu”, sei que há dor, há luta, medo constante.
Mas se posso identificar-me, ao menos temporariamente, com algo maior, algo vantajoso,
a beleza, a vida, a verdade, a crença, o conhecimento, nisso há fuga do
"eu”, não é verdade? Falando de "minha pátria”, esqueço-me de mim
mesmo temporariamente. Se puder dizer algo a respeito de Deus, esqueço-me de
mim mesmo. Se puder identificar-me com minha família, com um grupo, com
determinado partido, certa ideologia, há então uma fuga temporária.
Extraído do livro de Krishnamurti
Paz e Luz