O 1º passo
para derrotar a sombra é abandonar todas as expectativas de derrotá-la. O lado
obscuro da natureza humana manifesta-se na guerra, na dificuldade e no
conflito. Assim que falar em "vencer", já perdeu. Você foi arrastado
para a dualidade do bem e do mal. Quando isso acontece, nada pode acabar com a
dualidade. De uma vez por todas, o bem não tem poder para derrotar seu
oponente. Sei que isso é difícil de aceitar. Na vida de todos nós há ações
passadas das quais nos envergonhamos e impulsos presentes contra os quais
lutamos. Ao redor existem atos indescritíveis de violência. As guerras e os
crimes devastam sociedades inteiras. As pessoas rezam desesperadamente a um poder
superior que possa restaurar a luz onde a escuridão prevalece.
Há muito
tempo, os realistas desistiram de ver o lado bom da natureza humana superando o
lado mal. A vida de Sigmund Freud, um dos
pensadores mais realistas a confrontarem a psique, chegou ao fim enquanto a
violência do nazismo devorava a Europa. Ele havia concluído que a civilização
existe a um custo trágico. Precisamos reprimir nossos instintos selvagens e
atávicos, de modo a mantê-los em xeque; porém, apesar de nossos melhores
esforços, haverá muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa; os
indivíduos irrompem em violência pessoal. Essa análise implica uma forma terrível de resignação. Meu "eu
bom" não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica, afetuosa e organizada, a menos que
meu "eu mau" seja preso na escuridão, enjaulado em confinamento
solitário.
Os realistas admitirão que a
repressão, em si, é maligna. Se você tentar sufocar seus sentimentos de raiva,
medo, insegurança, inveja e sexualidade, a sombra ganha mais energia para seu
próprio uso. E esse uso é implacável. Quando o lado sombrio se volta contra
você, começa o massacre.
Podemos exemplificar esse mecanismo
citando indivíduos alcoólatras, que depois de períodos de sobriedade, muitas
vezes, tem recaídas e abandonam o trabalho e seus familiares, o que os deixam
exaustos e envergonhados quando as crises passam.
Estes desaparecem por semanas e,
ao voltarem, todo seu remorso é recebido por ouvidos surdos. A esposa quer se
separar. No entanto, ele reage com violência, agredindo-a, comportamento este que a mulher
menciona nunca ter acontecido antes. Tal acontecimento pode, além de toda frustração
e lágrimas, gerar temor por sua segurança.
Os dependentes que recaem transformam-se em uma exibição padrão do panorama
psicológico em que se encontra, atualmente, o ser humano, bem como a sociedade
em geral. São um exemplo extremo de uma situação comum: um self dividido. E o que isto quer dizer?
Que o ser humano se desligou da essência espiritual e integral e dividiu-se em
estruturas psicológicas e subpersonalidades que deixaram como herança
comportamentos e pensamentos que ignoraram nossa origem divina. Para os dependentes ou para qualquer
indivíduo, a separação entre o "eu bom" e o "eu mau" não
pode ser resolvida. Para pessoas que exercitam, mais constantemente,
desenvolver um estado de consciência mais lúcido, normalmente, a tática para
lidar com o lado sombrio é, relativamente, mais fácil. Não é difícil negar
seus atos ruins, esquecer seus impulsos perniciosos, se desculpar por ficar
zangado e demonstrar arrependimento pelas ações más. No entanto, para os dependentes
essas práticas não se tornam regras fáceis, pois somadas às repressões habituais
seus impulsos sombrios mostram-se quase incontroláveis.
Os demônios
internos minam e estragam o prazer pela vida que conduz a um eterno crescimento
e amadurecimento espiritual. Debocham da felicidade e, repetidamente, lembram os
dependentes de sua fraqueza e maldade.
Digamos que
essa descrição esteja quase correta. Há, no entanto, alguns ingredientes
importantes. O hábito tem um papel significativo na dependência. Assim como as
mudanças físicas que ocorrem no cérebro — as pessoas que abusam de substâncias
psicoativas têm seus receptores cerebrais atingidos por químicas estranhas que
acabam destruindo as reações normais do prazer e da dor. No entanto, esses
aspectos físicos da dependência têm sido exagerados de modo grosseiro. Se a
dependência fosse, fundamentalmente, física milhões de pessoas não estariam
fazendo uso casual de álcool e drogas. No entanto, fazem com um dano
relativamente pequeno em longo prazo e com mínimas chances de dependência. Sem
ingressar na controvérsia inflamada da dependência e suas causas, pode-se ver
que isso não é um problema isolado, e sim mais uma expressão da sombra.
Por essa
razão, para tratar dependências, precisamos abordar a sombra e desarmá-la,
além de nos conscientizarmos que poderão ser desenvolvidas outras expressões da
sombra, como o temperamento violento, o preconceito racial, o chauvinismo
sexual e muito mais. A primeira vista, esses fatores podem não parecer
relacionados. Um chefe que pratica assédio sexual não demonstra o mesmo comportamento
descontrolado de alguém que surra um homossexual, cometendo um crime hediondo.
No entanto, a sombra fornece uma ligação. Sempre que qualquer aspecto da natureza interior for
separado, rotulado como mau, ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra
ganha poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana se expressa de
forma violenta ou branda e, socialmente, tolerada. O fator essencial é que uma
parte da natureza interior foi
separada.
Depois de
separado, o fragmento "ruim" perde contato com a essência do eu
interior a parte que consideramos
"boa" por conta de sua aparente ausência de violência,
raiva e medo. A isso denominamos uma pessoa
adulta que se adaptou tão bem ao mundo e às outras pessoas, destruindo sua
ligação mais íntima com a consciência espiritual e divina. É fato que um indivíduo
alcoólatra tem um eu bom
e, portanto, poderia ter uma personalidade muito
mais agradável e aceitável. No entanto, o esforço em reprimir o lado obscuro
com a finalidade de construir uma personalidade resplandecente de bondade e luz
é, em sua prática, um equívoco social. Ressalte-se,
aqui, a surpresa de vizinhos que dizem às equipes de TV, depois de um grande
tiroteio, ou outro crime hediondo, que o agressor "parecia um homem tão
bom".
Certos
tratamentos funcionam por um tempo. Conter nossas emoções e caprichos, bem como
nosso desejo por comida ou bebida e, até mesmo, por sexo não nos faz elementos
mais felizes e saudáveis. Manter constantemente a guarda, com receio de ter uma
nova recaída, é atrair tal situação, pois o lado sombra, como mais intenso e
negativo, só precisava esperar para se manifestar.
O fenômeno de
chegar ao fundo do poço é bem conhecido nos círculos da dependência. Embora possa
representar um risco terrível, pois, quando a sombra arquiteta seu blefe, ela
recorre ao extremo da autodestruição, talvez seja o único caminho a percorrer. Não
há limite prático na extensão de sofrimento que é criado quando nos
encontramos em meio a essa Névoa de
Ilusão, pois dentro dela não existe nada além de fissura e o terror de não
conseguir satisfazê-la.
Quando a
perigosa jornada de chegar ao fundo do poço funciona, essa névoa se dissipa. Começamos
a ter pensamentos verdadeiramente realistas. "Sou mais que minha
dependência. Não quero perder tudo. O medo pode ser superado. Já é hora que
isso acabe."
Nesses
momentos, a natureza interior se
coloca em movimento dissipando os bloqueios que impedem o crescimento e a
evolução do ser. Sem antolhos.
Você só tem um eu. É o seu eu real. Ele está além do bem e do mal.
A sombra perde o poder quando a
consciência pára de se dividir. Quando você já não está mais dividido, não há
nada para ver além de si mesmo em todas as direções. Não há compartimentos ocultos,
calabouços, celas de tortura ou rochas limosas onde se esconder. A consciência
superior vê a si mesma. Essa é sua função mais básica, e, ao descobri-la,
veremos que dessa simples função pode nascer um novo ser, talvez, um novo mundo.
Texto adaptado do
livro: O Efeito Sombra
Força, luz e paz na caminhada
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